Documentário da Vez:Queda Livre - A Tragédia do Caso Boeing(2022)
Como um problema de especificação de um software mais uma série de fatores, especialmente mercadológicos, fizeram que dois aviões caíssem em apenas 5 meses, algo que nunca tinha ocorrido na história da aviação moderna. Confira mais detalhes, na crítica abaixo.
Algo muito mais do que azar no Reino da Boeing |
Nota IMDb: 7,4 (até o dia da postagem) (IMDb)
Título original: Downfall: The Case Against Boeing
Ano de Lançamento: 2022
Diretor: Rory Kennedy(Fantasmas de Abu Gharaib, Last Daus in Vietnan e Vulcão Whakaari: Resgate na Nova Zelândia)
Estrelas: Lester Holt, Ted Cruz, Chesley Sullenberger, Kevin Carney, Richard Blumenthal, Maria Bartiromo, Zipporah Kuria, Elaine Chao, John Seigenthaler, e uma pessoa chave nessa história, o CEO Dennis Muilenburg , entre outras pessoas.
Crítica: Dissonantbr
Robert Cecil Martin, ou mais conhecido como "Uncle Bob", é cercado de polêmicas posições politicas no twitter, mas não tem como se negar sua contribuição para a engenharia de software. O seu famoso Clean Code e Clean Architecture fizeram na indústria. Infelizmente como o acesso aos seus cursos está muito caro, a alternativa que havia era via O'Reilly via sua plataforma, mas os custos estão pra lá de proibitivos.
De qualquer forma, voltando à ele, ele já vinha avisando sobre a responsabilidade da Engenharia de Software em aplicações críticas, como usinas nucleares, computadores embarcados em foguetes, carros, elevadores e... aviões. Ele defendia de que ou a indústria viesse a amadurecer ou ela seria atropelada por exigências de segurança impostas por outras áreas, principalmente departamentos jurídicos. E não muito tempo depois disso a tragédia dos dois voos do novo Boeing 737 , agora chamado de Max, viria a mostrar o que ele estava dizendo.
Em 29/10/2018 na Indonésia, em uma manhã com tempo bom, nenhum evento como colisão com pássaros ou algo parecido, o voo 160 da Lion Air decolou e não muito tempo(13 minutos) depois colidiu em grande velocidade com o mar matando 189 pessoas, entre elas dois bebês. Um pouco mais de 5 meses depois, em março de 2019, o voo 302 da Ethiopian Airlines, perto de Addis Abeba, teria um destino praticamente igual em um mergulho matando os 157 a bordo. A diferença entre eles é que o segundo tinha uma vaga ideia do que poderia estar acontecendo, porém 10 segundos selaram o destino de todos de um detalhe que não teve o treinamento que era necessário.
E como vamos ver no documentário, que tem de fato uma excelente introdução da até então impecável política de segurança fazendo que a frase muito comum dita em vários aeroportos "senão for Boeing, não vou" era baseado em fatos. A plataforma 7xx, que começou com o 707 que estreou em 1959 teve várias encarnações, mas foi o 737 que revolucionou a avião junto com o seu irmão maior, o 747. Mas devido a problemas de pressão de acionistas, a onda de fusões nos EUA, principalmente para fazer frente ao sucesso comercial da Airbus europeia, McDonnell Douglas, também famosa pelo DC-10 e aviões de combate, se juntou a Boeing, fazendo que houvesse uma pressão exagerada por lucros e resposta às demandas do mercado custe o que custar. Fato é que não havia tempo para realizar uma modificação no 737 para que suportasse os novos e muito mais econômicos motores sem ter que mudar o centro de gravidade do avião. E isso faria que houvesse uma tendência de uma espécie de "empinada" involuntária do bico, o que poderia levar a uma perda de sustentação e um acidente grave.
E aí começa uma série de erros culminando nos dois acidentes. A solução diziam é que o hardware fosse compensado com uma solução de software, no caso o chamado MCAS, Manuevering Characteristics Augmentation System, uma espécie de nivelador automático para estabilização da aeronave em situações inicialmente bem específicas e usando dois sensores. Mudanças de escopo fizeram que a versão final contasse com apenas um sensor. E pior, se esse sensor tivesse uma discordância com outros, especialmente de gravidade, ele simplesmente ignorava os outros e tomava o controle empurrando o avião para baixo.
Ainda que não se tenha como não se emocionar com as cenas dos parentes das vítimas, algumas atitudes nada colaboradoras da Boeing, inclusive também racistas, não se tem como negar que o histórico de acidentes na Indonésia e algumas falhas de segurança da Etiópia se refletissem em momentos chave da reação da tripulação. Porém não se pode esquecer que a atuação do MCAS seja pivotal mesmo junto a outros fatores, a motivação da Boeing como é explicado no documentário de não ocorrer um destaque de algo tão importante na documentação ou treinamento para os pilotos, o estranho comportamento da FAA ao longo do processo de dúvida entre o primeiro acidente até logo depois do segundo, assim em momentos da investigação, tudo isso joga lama no nome da empresa e faz desse episódio uma série de coisas a serem evitadas no futuro.
Ironicamente a Boeing ainda sofre com problemas de software em outros projetos, como mostrou o fracasso duas vezes da sua Starliner juro a Estação Espacial Internacional como pode ser lido aqui e aqui. Claro que houve denuncias de engenheiros de software sobre a qualidade do código gerado pela terceirização indiana de software, porém há dúvidas reais se isso se sustenta na realidade de algo tão complexo. O argumento de que o 787 não ter tido nenhum problema grave fica em dúvida pelos atrasos e o orçamento estourado em bilhões. Seriam abordagens diferentes de segurança? Não sabemos.
Em resumo, ainda que o documentário não tenha tido o cuidado de contrastar os outros fatores que ajudaram os dois acidentes, uma forte tendência de apenas um lado da história(algo infelizmente tão frequente nos documentários da NetFlix), ganha destacando a importância do papel da imprensa, ainda que seus erros também, a fundamental atuação independente de órgãos reguladores(nao foi o caso), o perigo da cultura de evitar más notícias em algumas empresas, assim como a importância de checagem dos requisitos para que episódios como esses não venham a se repetir em outras áreas, tudo isso fazem desse documentário algo a ser visto por todos. Seja você de tecnologia ou não. Um artigo aqui fala sobre as 4 lições para a Engenharia de Software sobre esse triste capítulo.
E o episódio conjunto do Lito do Aviões e Música com Aero por Trás da Aviação explicando alguns pontos a mais no episódio
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