Filme da vez:Emancipation - Uma História de Liberdade(2022)
Sonhado antes da polêmica da entrega do Oscar de 2021, esse filme correlaciona a história de um homem que ficou famoso por uma fotografia e horrores da escravidão. E há um mar de lições e problemas, entre a História, execução artística e recepção do público. Entenda essa dinâmica, sem spoilers, na crítica abaixo.
Um caso onde o todo é muito maior que os detalhes |
Nota IMDb: 5,4 (até o dia da postagem) (IMDb)
Título original: Emancipation
Ano de Lançamento: 2022
Diretor: Antoine Fuqua(longo parceiro de produções com Denzel Washington(Dia de Treinamento, O Protetor 1 e 2), assina como produtor de vários filmes como O Atirador(2016-2018), Infinite(2021), O Culpado(2021), Trem-Bala(2022), e a série Legacy:A Verdadeira História dos Lakers(2022))
Estrelas: Will Smith(como Peter), Ben Foster(como o diabo em pessoa Jim Fassel), Charmaine Bingwa(como a paciente esposa Dodienne), Gilbert Owuor(como o verdadeiro Gordon), Mustafa Shakir(como o Tenente Andrew Cailloux), entre outras estrelas.
Crítica: Dissonantbr
Vivemos tempos estranhos... Para alguns, a Declaração dos Direitos Universal dos Direitos Humanos, lá de 1948, depois de mais traumática guerra mundial é subversiva. Algumas leis básicas nos EUA estão sobre ataque e algumas estão sendo regulamentadas sob a ameaça de serem revogadas. Por isso não é estranha a necessidade de alguns temas serem revisitados. E uma delas é justamente a Escravidão.
Não é só porque somos o último país do Ocidente a abolir a escravidão(coisa que só ocorreu quase que ironicamente por pressão de quem ganhou muito dinheiro com isso, a Inglaterra), não antes de inviabilizar ainda mais a moribunda monarquia brasileira. E por isso me causou muito espanto, naquela sensação de quem viu o filme e queria discutir sobre o mesmo, nos comentários do IMDb a "pérola" de que era só um assunto de algo que ocorreu a 150 anos. Vale lembrar que recentemente aqui no Brasil tínhamos avós que foram escravos, sendo que agora muitas pessoas tiveram bisavós nessa condição absurda. Historicamente isso é um piscar de olhos. Ou se você parar para pensar em tâmaras, sim, a fruta, há o antigo ditado de que você não vai comer as tâmaras que você planta porque elas demoram em média 100/120 anos para dar frutos. Mas como continua a história, se ninguém planta-las seria impossível come-las. A mesma coisa ocorre com o combate ao preconceito racial.
E aqui no filme vemos a história de Peter. Como o filme logo cita no início, a história é baseada em fatos reais. Vamos primeiro contar uma das versões que se considera-se real. Ele nasceu escravo no Haiti, pais também escravos, sendo que ele foi levado a uma plantação de algodão e como o capataz considerou reiteradas vezes "mal comportado" foi espancado várias vezes, ameaçado, jogado em um poço, e brutalmente açoitado. O fato foi tão fora de proporção de que o responsável foi demitido(já que danificou a propriedade do senhor) e ele ficou dois meses em uma espécie de coma, querendo atirar em todo mundo que via.
1 de janeiro de 1863, por uma série de fatores(lembrando que a guerra civil começa em 1861), Lincoln assina o chamado Ato de Emancipação que dizia que todos os escravos eram livres, afetando 4 milhões de indivíduos. Porém, na prática ela só de fato foi reafirmada em 1865 com a chamada 13a Emenda Constitucional. E a pegadinha era que as pessoas teriam que fugir do Sul escravista e encontrar as tropas onde elas trabalhariam nas fazendas do Estado ou... lutariam para ter a liberdade. Cansado de enterrar conhecidos e já prevendo o seu fim, decide fugir rumo a essa promessa. Depois de fugir 64 quilômetros, muitos desses pelo pântano, depois de dias e noites sendo perseguido, ele conseguiu encontrar as tropas e decidiu entrar no Exército. Tendo tido vários ferimentos, foi tratado e, assim como muitos outros que chegaram lá, tinham as costas profundamente marcadas por ferimentos de chicotadas. Daí um grupo de abolicionistas com uma câmera rudimentar pediu se era possível ele pousar pra aquela que se tornaria uma das fotos mais importantes da causa antiescravidão nos EUA e no Mundo. Aparentemente na confusão, seu amigo que o acompanhou chamado Gordon teve o nome trocado com ele e ele ficou conhecido como o "Whipper Gordon" ou "Whipper Peter", algo como Peter Chicoteado. O último registro que se tem história é que ele se destacou com coragem na primeira batalha de pessoas negras, no chamado Cerco de Port Hudson. Não se sabe se ele sobreviveu muito depois disso.
No filme, o personagem de Will Smith é um homem que crê em Deus e tem uma visão diferente de uma interpretação de submissão e justificativa à Escravidão. E devido ao esforço de guerra, é levado da fazenda para a construção de um forte e uma ferrovia Confederada. E ali ouve pela primeira vez sobre a promessa de Lincoln... E algumas coisas são retratadas diferentes, outras são relatos comuns do que ocorria com escravos.
Fazendo a crítica, eu entendo alguns pontos negativos sobre o filme. A escolha de filtros preto e branco(e fotografia), algumas más ideias compartilhadas de Antoine Fuqua em tentar emular Iñárritu como o O Regresso, com cenas da natureza, porém não tão integradas com a história, uma perda de ritmo no meio do filme, algumas liberdades criativas, mas... Tem que se ver o lado realmente mais importante.
E aí o filme tem grandes méritos. Em mostrar quão absurda é a objetivação das pessoas como propriedade, a negação como seres humanos, o uso religioso como ferramenta de controle, sofrimento e dor da rotina dos "fujões", assim como o aqui também conhecidos Capitães do Mato, muitos negros, a natural ordem das coisas ensinadas desde de jovens em uma cena praticamente de terror, assim como o horror da guerra. Tudo isso está lá no filme e quiçá é o grande problema do filme. Talvez não explorado da melhor forma, talvez às vezes muito corrido, às vezes muito lento, ou seja, e provavelmente o leitor vai concordar , seria muito melhor se fosse uma minissérie já que o filme de duas horas e 12 minutos sofre em tentar ser no mínimo dois em um.
Resumindo, é um projeto importante, com atores muito bons, quiçá em um mal momento, com a interpretação até correta de busca desesperada de um Oscar, contudo, apesar de tudo isso e alguns problemas de execução, tem importantes mensagens de quão absurda é a escravidão e quanto sofrimento foi necessário para iniciar o longo processo de combate ao racismo. Ah, não tem como não avisar que o filme tem cenas bem fortes de violência, ainda que em sua grande parte justificadas pela história. Disponível na AppleTV+ e com os devidos avisos, recomendaria já que é bem melhor do que a nota atual do IMDb.
E um clássico que fala demais com esse filme é Tempo de Glória lá de 1989 com Denzel novinho... Que está pra ser alugado tanto no AppleTV+ também e na Amazon Prime.
E o filme do processo de produção do filme pelo próprio Will Smith(além dos trovões que exigiam uma pausa de 30 minutos, houve o furação Ida que atrapalhou por 5 semanas. Claro, sem contar a Covid. O fantasma da Confederação)
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